HISTÓRIA

 

Charles Rockwood ensinou a todos nós

Por Osvandré Lech

 

Poucos educadores causaram tanto impacto na ortopedia brasileira como Charles Adelbert Rockwood (1929-2022). Os seus livros clássicos (“Fractures”, na 11ª edição, e “The Shoulder”, na 6ª edição) estão presentes desde as empoeiradas estandes de biblioteca até no app “Arquivos” do smartphone. Rockwood veio seis vezes ao Brasil fazer o que mais gostava – palestrar, discutir, ensinar, sugerir, brindar, tomar caipirinha, tragar um cubano, conviver e ser feliz!  Numa das viagens incluiu uma expedição pela Amazônia. No retorno, preparou uma aula de 50 minutos e apresentou-a diversas vezes nos EUA. Ele foi adorado pelas centenas, talvez milhares, de alunos de graduação, residentes, fellows e visitantes internacionais, pelo caráter, ética, humildade, humor, visão, lealdade, atitude paternal. Rockwood – um educador de A à Z – ensinava, pelo exemplo, a rotina diária de um cirurgião e cidadão.  Como todo o líder, exigia ao extremo de seus alunos, pois desejava que eles fossem melhores que o professor – “the greatest leader is not necessarily the one who does the greatest things. He or she is the one that gets people to do the greatest things”. Buz Burkhead, Carl Basamania, Michael Wirth, Gerald Williams, Sérgio Checchia, Michael Simoni, Paulo Sérgio dos Santos, Daniel Moya – dentre muitos outros – estão aí para confirmarem isto.

Rockwood nasceu e estudou em Oklahoma City, Oklahoma (EUA), até a residência médica; em reconhecimento, a cidade incluiu-o no Oklahoma Hall of Fame, em 1996. Serviu por longo período na Força Aérea. Foi na cidade de San Antonio, Texas, que desenvolveu toda sua profícua vida profissional, estabelecendo um dos mais icônicos departamentos de ortopedia dos EUA, junto com David Green, Kaye Wilkins e Jim Heckman. A sua conferência anual inaugural do programa de residência médica “I AM THE CHIEF” era esperada com ansiedade e alegria, pois verdades e regras eram estabelecidas, sempre de forma bem-humorada e racional. Pela natural liderança, tornou-se presidente de diversas sociedades ortopédicas e da AAOS, em 1985.  Naquele ano, tive o prazer de assistir ao seu “Presidential Adress”, quando comparou a ortopedia com uma árvore, onde o tronco (ortopedia “geral”) necessita dos galhos (especialidades ortopédicas) e os galhos não vivem sem o tronco. Aquele discurso impactou a minha caminhada pela ortopedia e na SBOT.

Visitou inúmeras vezes o Dr. Charles Neer, na Columbia University, em Nova Iorque, no final dos anos 1960. Com o aprendizado, tornou-se um dos mais revolucionários educadores de cirurgia do ombro do seu tempo. Foi fundador e ex-presidente da ASES.  Fundou e contribuiu por longos anos com o JSES.  Patenteou um dos primeiros modelos de artroplastia do ombro produzido pela DePuy, a “Global Total Shoulder System”, sendo líder do mercado por duas décadas. Participou do primeiro grupo de líderes do IBSES, fundado por Neer, em 1992; seus colegas de equipe no IBSES eram Hiroaki Fukuda, Steve Copeland, Peter Welsh, Robert Cofield, Michel Mansat, Martti Vastamaki e Angus Wallace. Para um grupo muito seleto de amigos, era conhecido por “Charly” apenas.

Homem de riso fácil e autêntico, ele estabelecia de imediato um ambiente de cordialidade em qualquer roda de conversa. Algumas de suas frases se tornaram icônicas: “rat tail research”, quando alguém mencionava uma referência bibliográfica de menor importância, “I am surrounded by assassins”, em momentos de dificuldade no ato cirúrgico em que a presença do assistente é essencial. A mais clássica das citações, no entanto, é “the machine of the devil”, uma referência ao artroscópio, o novel instrumento cirúrgico incorporado à cirurgia do ombro nos anos 1980. Tentando ironizar a artroscopia, ele acabava chamando a atenção das plateias para o novo método. Por esta postura crítica, penso que Rockwood foi um grande incentivador da artroscopia.

Na vida pessoal, acreditou no “Faith, Family and Fun” – nesta ordem. Reconhecido pelas grandes doações que fez para instituições ortopédicas e civis.  Católico devoto e voltado para a família, Rockwood teve nove filhos – oito homens e, por último, uma mulher – com sua esposa Patsy. Já viúvo, casou-se com Jane.  Apreciava golfe, acampar, atividades ao ar livre.

Organizado por Daniel Moya em nome da SLAHOC, um panegírico homenageou a vida e a obra de Charles Rockwood. Na ocasião, chamei-o de “Vitruvian Man”, a criação de Leonardo Da Vinci que significava a conexão divina entre a forma humana e o Universo.

Obrigado pelos ensinamentos e pelo exemplo, professor!