DESTAQUE SBCOC

 

Cirurgia do ombro, minha vida profissional

Antes de tudo, queria agradecer a SBCOC pelo convite de escrever um pouco de minha trajetória dentro de nossa especialidade. Sociedade que tive a honra de ser um dos membros fundadores, em 1988, durante oCongresso de Brasília – fundação esta que ocorreu embaixo de uma pequena escada externa do centro de convenções. Tornei-me presidente, em 1995, e durante minha gestão fizemos, com a ajuda dos diretores, o primeiro congresso do SBCOC – na época, Comitê de Ombro e Cotovelo (COC) da SBOT.


Primeiro Congresso da SBCOC organizado pelo Dr. Checchia.

Patrocínio? Me perguntavam: “Congresso de ombro e cotovelo? Como assim?”. Foi bem difícil, mas tivemos quase 400 participantes! Ufa! Este ano teremos o XIV congresso, que espetáculo!

Mas voltando um pouco no tempo. Em 1986, quando retornei ao “Pavilhão Fernadinho Simonsen” –Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo, pelas mãos de meu amigo Cláudio Santili (a quem agradeço, de coração, a oportunidade e confiança em meu trabalho), notei que as lesões do ombro não eram tratadas de maneira sistemática. Fiquei intrigado e me perguntando: será que não há espaço para alguém se especializar nesta articulação? Comecei então a solicitar aos chefes dos grupos de Ortopedia Geral que me encaminhassem os casos de ombro e comecei a tratar estes pacientes no período da tarde, fora do meu horário contratado.

Claro, comecei a procurar literatura sobre o assunto (na época não havia Internet) e encontrei alguns pouquíssimos livros, que eram bem antigos, disponíveis. De repente, encontrei um volume em espanhol da Clínicas Ortopédicas de Norte América – Cirugía del Hombro – de 1975, que tenho até hoje comigo.


Primeiro livro de estudos utilizado pelo Prof. Checchia

Um mundo novo começou a se abrir! Comecei a notar que um tal de Neer era citado, várias vezes, em praticamente todos os capítulos. Difícil conseguir os artigos dele, mas na Bireme e na Biblioteca da Santa Casa era possível solicitá-los e, aos poucos, fui percebendo o quanto era ignorante no assunto!

O grupo foi oficializado em 7 de julho de 1987. Pedro Doneux, grande amigo de muitos e muitos anos, foi o primeiro estagiário oficial do grupo. Em 1989, nasceu, então, nossa parceria. Como sofremos! Quantos e quantos casos que não sabíamos o diagnóstico e muito menos como tratar. Levávamos os pacientes para o Departamento de Radiologia e ficávamos examinando imagens e fazendo as pneumoartrografias. Lembro que, certa vez, notamos “tipo um esporão” em baixo e na ponta do acrômio e, até aquele momento, não sabíamos que isto existia. Até as ultrassonografias era eu que pessoalmente fazia. O grupo foi aos poucos crescendo e queridos amigos foram agregados: Alberto Miyazaki, Luciana Silva, Marcelo Fregoneze, Guilherme Sella e, mais recentemente, o Caio Checchia.

No final de 1988 fui, pela primeira vez, ao exterior visitar o Prof. Charles Rockwood Jr.


Primeira visita do Dr. Checchia ao Prof. Charles Rockwood, que havia operado um brasileiro. O Fellow é o Francis Lions de Melbourne.

Aprendi muito naqueles dias. Estudei muito na magnífica biblioteca da faculdade de Medicina da Universidade do Texas. Xerox e mais Xerox. Na volta, mala extra apenas com material de estudo. Depois disso, fiz várias e várias visitas a outros colegas.

Aventurei-me no cenário internacional da Cirurgia do Ombro com a cara e a coragem. Comecei a frequentar os congressos da AAOS, principalmente o “Dia da especialidade” e, morrendo de medo, fui me apresentando aos “monstros sagrados” de nossa especialidade. Dentre estes, devo citar especificamente o Luis Bigliani! Ele abriu as portas da American Shoulder and Elbow Surgeons (ASES) para mim e para muitos outros. Lembro que, em 1994, no meu primeiro congresso, do assim chamado Closed Meeting, encontrei o Gilles Walch no aeroporto e lhe dei carona de carro. Ele também tinha sido aceito como membro neste mesmo ano e comentou que estava muito nervoso sobre sua apresentação (tínhamos que, obrigatoriamente, apresentar um tema livre). Falei a ele: “Se você está nervoso, pode imaginar como estou?!?”. Apresentei o trabalho sobre a inervação do subescapular, trabalho este comentado pelo Neer durante uma de suas aulas: “Como nos ensinou o Dr. Chechelin, ou algo assim (hahaha), devemos ter cuidado com a inervação do subescapular, principalmente nas operações de Bristow”. Isto foi em 1994. Que honra!

Entretanto, minha carreira internacional começou um junho de 1992, quando tivemos um trabalho aceito para apresentação oral durante o Congresso Internacional de Ombro e Cotovelo (ICSS), em Paris, sendo que os comentadores foram nada menos do que Charles Rockwood e Frederick Matsen! E o pior, eu sabia que seriam eles desde que recebi a carta confirmando a apresentação. Meu Deus, o “Livro” ia comentar meu trabalho! Que início de carreira!

Depois disto, tive a honra de participar, por duas vezes, como professor convidado estrangeiro, do Open Meeting da ASES e, por duas vezes, fui convidado ao Congresso Americano de Ortopedia (AAOS) para fazer parte de mesas redondas sobre instabilidade. Dei aulas em praticamente todos os países da América do Sul, na Alemanha, França, Escócia, Espanha, Itália, Suécia, Finlândia, África do Sul, Austrália e Japão. Neste último, fui convidado como professor estrangeiro, uma das maiores honrarias de minha trajetória


No Japão, em 2015, Dr. Checchia com os Drs. Neviaser e Hesch a convite do Dr. Itoi.

Nestas minhas andanças, vivi uma passagem interessante. Em 1995, tive um trabalho aceito a ser apresentado de forma oral no Dia da Especialidade – Ombro e Cotovelo, durante o Congresso da AAOS. Com apenas 9 anos de experiência na especialidade, apresentei minha tese de doutorado sobre Luxação Posterior do Ombro. Nesta sala tinham mais de 2.000 pessoas! Que pavor! Ainda sobre esta apresentação, o mais engraçado foi o que me ocorreu, pouco depois. O Louis Bigliani me convidou para um jantar com seus ex-fellows. Na mesa, ao seu lado, estávamos eu e um colega da Suécia. Durante o jantar ele comentou veementemente que era espetacular eu ter um trabalho aceito no congresso da AAOS. O sueco comentou: “Mas eu também vou apresentar um trabalho!”, no que o Bigliani retrucou: “Sim, mas você é Sueco.” Até hoje não sei se foi um elogio. (hahahaha).

Sim. Muito difícil quebrar a barreira de ser sul-americano. Vivi isto na pele por alguns anos. Mas as portas realmente se abriram quando, em 2000, tive um vídeo, sobre acromioplastia artroscópica e sutura do manguito (combinando computação gráfica e a operação), aceito para ser exibido durante o Congresso da AAOS e este foi premiado e considerado o melhor vídeo (e o mais vendido) até então apresentado no congresso – vídeo este que havia ganho um prêmio durante o Congresso Mundial – ICSES de 1998, na Austrália.

Outro momento marcante de minha carreira foi a possibilidade de termos o Congresso Mundial de Cirurgia do Ombro e Cotovelo no Brasil, em 2007. Osvandré Lech e Adalberto Visco, meus amigos queridos nesta empreitada. Destaco também a ajuda inestimável de nossas esposas, Mare, Lívia e minha querida Mônica. Felizmente o congresso foi um sucesso e um marco na história do ICSES.

Mais recentemente recebi uma das maiores honrarias de minha carreira: ser eleito para Editor-chefe da RBO. No nosso grupo, sempre demos preferência em publicar na nossa revista, em detrimento de outras, por considerarmos ser esta a porta-voz de nossa sociedade. Desta maneira, poder colaborar com a RBO me deixa muito honrado e feliz.

Trinta e seis anos militando exclusivamente na Cirurgia do Ombro. Quanta coisa aconteceu. Que revolução na nossa especialidade nestes anos! Manguito aberto para artroscópico, artrodese ou ressecção artroplástica para próteses reversas, fios de Kirschner para placas bloqueadas, Bristow-Latarjet para reparo labial artroscópico e, depois, de volta ao Latarjet e por aí vai.

Uma vida de muita luta, muitas noites sem dormir e muito estudo, mas muito mesmo. Muitas viagens para congressos para ensinar e aprender. Uma vida de muitas perdas pessoais e familiares, e agradeço aos meus queridos filhos Caio e Marcelo por compreender e aceitar a minha ausência. Como falar de minha querida esposa Mônica? Como agradecer o apoio inestimável? Como agradecer o tempo dela destinado à nossa família na minha falta? Impossível. Nada teria acontecido sem ela ao meu lado. Todo meu respeito e amor.

Mas, como se fala popularmente: “As pessoas veem as pingas que eu tomo, mas não sabem dos tombos que eu levo!”. A parte acima conta um pouco das pingas. Os tombos, ora, estes não têm graça!