DICA SBCOC

 

NÃO EXISTE MAL-ENTENDIDO – DICAS DE COMUNICAÇÃO NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Dr. Regis Albertini

Entrevista com a comunicóloga Karina Maia 

Ficha técnica: escritora, jornalista, publicitária, empreendedora, profissional de marketing e trainer em comunicação e persuasão. 

Para esta edição do Jornal da SBCOC, resolvi entrevistar a profissional de comunicação Karina Maia e, apesar de imaginar que sabia boa parte do que ela nos revelaria, devo dizer que me surpreendi com a simplicidade do que podemos fazer, das consequências de não exercer uma comunicação minimamente persuasiva com o paciente e das vantagens tangíveis e intangíveis de colocar tudo em prática. Relaxe na sua poltrona, solte o celular e aproveite cada palavra das dicas que essa entrevista nos trará a seguir. 

Regis: Vou começar por algo que ouço muito falar, mas não sei se é uma verdade absoluta. Médicos tendem a se comunicar mal? É fato ou percepção? 

Karina: (risos) Não posso afirmar por estimativas as quais não possuo. Posso endossar o coro da percepção com ressalvas. Creio que haja uma falha raiz já na formação do profissional médico com relação à comunicação. Pouco é passado sobre o valor e o peso do que ele tem na mão no exercício da profissão. Atendimento ao público é uma das maneiras mais intensas e estressantes de comunicação. Ao atender um paciente, o profissional não está falando somente com o corpo dele, o médico precisa se fazer entender e contar com a boa compreensão dele no processo de cura em qualquer tratamento. Então o médico não tem o DNA da comunicação ruim, de jeito nenhum. Talvez falte a consciência da tamanha exposição em que esse profissional é colocado e do quanto a comunicação poderá evitar problemas, inclusive judiciais no futuro. 

Regis: Que tipo de problemas?  

Karina: A mente humana não permite vazio. Quando não entra informação, entra a imaginação. É mais comum do que se pensa o fato de pacientes com internação hospitalar ou seus familiares demonstrem insatisfação e preocupação com o bem-estar da pessoa acamada, mesmo quando tudo está sendo feito para atendê-lo no âmbito da saúde nos bastidores. Por que isso acontece? Por que apesar da medicação dada corretamente, da visita médica feita diariamente, há a queixa? Só posso focar minha atenção na famosa “falha de comunicação”. Aqui vai a primeira dica: Imagine que a comunicação entre médico e paciente é um jogo de tabuleiro. Imaginou? Agora avance 3 casas toda vez que for falar com ele. Ou seja, passou de manhã para vê-lo? Agora informe 3 etapas a seguir e com isso elimine a ansiedade de todos os envolvidos no processo. Exemplo: você é cirurgião e visitou à noite o paciente que irá operar na manhã seguinte. Então poderá dizer algo como: - amanhã vejo você já dentro do centro cirúrgico (1), depois da cirurgia eu ligo para o quarto, quem estará aqui para falar comigo? (2), depois do almoço volto a vê-lo, talvez à noite (03). Pronto! Eliminamos a ansiedade, o efeito surpresa (não sabia que não veria o doutor antes/depois da cirurgia), os comentários desnecessários de terceiros e, principalmente, preenchemos o campo fértil da imaginação com informação. E sempre que puder, opte pela presença física na comunicação médico-paciente. Esteja diante dele. 

Regis: Você concorda com a afirmação de que quando duas pessoas conversam a responsabilidade do entendimento da mensagem é de quem fala e não de quem escuta? 

Karina: Não acredito em mal-entendido. Acredito em malfalado.  

Regis: Não é muita responsabilidade para o orador? 

Karina: Quando falamos com alguém assumimos o risco de não controlar a mente do outro, ou seja, não está no meu controle o que o outro pensa, mas por outro lado está no meu controle a maneira como a mensagem chega. E se eu tenho consciência de que as emoções humanas seguem um padrão que independe de gênero, cultura ou classe social eu posso controlar boa parte da comunicação falando corretamente. Vamos a um exemplo prático. Um paciente estudado, terá mais facilidade em compreender uma informação técnica sobre o tratamento que estou sugerindo para ele. Já um paciente com pouco estudo terá mais dificuldade, porém ambos têm a mesma plataforma emocional onde habita a decisão de confiar ou não em mim: o sistema límbico. Ou seja, para gerar confiança no paciente, eu terei de acessar esse setor com a minha fala.  

Regis: Mas como ter uma linguagem emocional e ao mesmo tempo técnica? 

Karina: Vamos lá! Na linguagem técnica opte sempre pelo uso de analogias. Se vou explicar como será feita uma cirurgia de desobstrução de uma artéria, por exemplo, posso buscar a analogia de uma estrada por onde passam os carros. A estrada é a veia, os carros são o sangue. Daí a estrada congestionou porque (outra analogia de algo interrompendo a pista). Então será preciso (analogia de algo que libere a pista). Isso vale para explicar a ação de um remédio ou revelar uma doença diagnosticada. Torne-se um especialista em analogias. Mas ainda falta um toque sinestésico, não é mesmo? Que tal relatar o que você mais gosta na sua profissão? Porque gosta tanto de fazer o que faz, como decidiu fazer o que faz e porque está feliz em contribuir com a melhora do seu paciente? Ninguém resiste a um discurso de marketing pessoal que conta a história de alguém em quem você deposita sua vida e saúde. Um discurso de marketing pessoal dura 2 minutos e você só precisa fazer uma única vez para que esse paciente confie, respeite e fale bem de você para todo mundo.  

Regis: Uma última dica? 

Karina: Invista no conhecimento da linguagem corporal. Ela diz mais do que as palavras, além de nunca mentir e sempre falar primeiro, gerando mais impacto também do que o discurso. Um médico que se levanta e vai até a recepção chamar o paciente, não precisa dizer “viu como sou atencioso e cuido de você?” - já está implícito no gesto, não é mesmo? Então entender que existem também micro gestos faciais receptivos ou não, além de posições dos braços e das mãos que podem passar mais autoridade ou desleixo por exemplo, pode ser decisivo para criar conexão e respeito imediatos com seu paciente. Vou citar alguns, mas de verdade peço que se dedique a esse conhecimento buscando cursos e livros que falem a respeito. Vá por águas mais profundas. Bem, uma dica é o sorriso. Sempre sorria ao receber e ao se despedir do paciente. Pacientes esperam ser tocados. É o que entendem por exame ou consulta. Então não fique só na conversa. Em algum momento toque e demonstre que está “investigando” ele. Jamais cruze os braços, ao ouvir ou falar, pois isso demonstra desconexão. Quando o paciente estiver falando, incline-se na direção dele e olhe nos olhos, isso demonstra interesse, reconhecimento e vontade de ouvir na essência também. Nada é mais poderoso do que ouvir com atenção, sem interromper a fala do outro. Os melhores comunicadores são os melhores ouvintes. E um médico comunicador tem um efeito hipnótico em qualquer paciente.