Batendo o Martelo

 

Um novo olhar: legislação restringe o uso das terapias hormonais

A Resolução CFM nº 2.333/2023 adota as normas éticas para a prescrição de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes de acordo com as evidências científicas disponíveis sobre os riscos e malefícios à saúde, contraindicando o uso com a finalidade estética, ganho de massa muscular e melhora do desempenho esportivo.

Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM) através da Resolução nº 2.333/23, publicada no Diário Oficial da União (DOU) fica vedada a prescrição médica de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) com finalidade estética, para ganho de massa muscular e/ou melhora do desempenho esportivo, seja para atletas amadores ou profissionais, por inexistência de comprovação científica suficiente que sustente seu benefício e a segurança do paciente. Já em vigor, a norma destaca a inexistência de estudos clínicos randomizados de boa qualidade metodológica que demonstrem a magnitude dos riscos associados à terapia hormonal androgênica em níveis acima dos fisiológicos, tanto em homens quanto em mulheres, além da ausência de comprovação científica de condição clínico-patológica na mulher decorrente de baixos níveis de testosterona ou androgênios.

“O uso indiscriminado de terapias hormonais com EAA, incluindo a gestrinona, com objetivos estéticos ou para o ganho de desempenho esportivo, é hoje uma preocupação crescente na medicina e para a saúde pública, uma vez que, de acordo com as mais recentes evidências científicas, não existem benefícios notórios que justifiquem o aumento exponencial do risco de danos possivelmente permanentes ao corpo humano em diferentes órgãos e sistemas com sua utilização”, alerta a relatora e conselheira federal Annelise Menegusso.

Riscos – O CFM também chama a atenção para os riscos potenciais do uso de doses inadequadas de hormônios e a possibilidade de efeitos colaterais danosos ainda que com o uso de doses terapêuticas, especialmente em casos de deficiência hormonal não diagnosticada apropriadamente, seguindo diretrizes e recomendações em vigor.

Dentre os inúmeros efeitos adversos possíveis, estão os cardiovasculares, incluindo hipertrofia cardíaca, hipertensão arterial sistêmica e infarto agudo do miocárdio, aterosclerose, estado de hipercoagulabilidade, aumento da trombogênese e vasoespasmo, doenças hepáticas como hepatite medicamentosa, insuficiência hepática aguda e carcinoma hepatocelular, transtornos mentais e de comportamento, incluindo depressão e dependência, além de distúrbios endócrinos como infertilidade, disfunção erétil e diminuição de libido.

A percepção do CFM é corroborada pelas Sociedades Brasileiras de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Medicina do Esporte e do Exercício (SBMEE), Cardiologia (SBC), Urologia (SBU), Dermatologia (SBD), Geriatria e Gerontologia (SBGG) e pelas Federações Brasileiras de Gastroenterologia (FBG) e das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), que emitiram nota conjunta pedindo ao CFM a regulamentação do uso de esteroides anabolizantes e similares para fins estéticos e de performance.

Deficiência – A Resolução CFM nº 2.333/23 regulamenta que a prescrição médica de terapias hormonais está indicada em casos de deficiência específica comprovada, de acordo com a existência de nexo causal entre a deficiência e o quadro clínico, cuja reposição hormonal proporcione benefícios cientificamente comprovados, sendo “vedada ao médico a prescrição de medicamentos com indicação ainda não aceita pela comunidade científica”. O uso de terapias hormonais com a finalidade de retardar, modular ou prevenir o envelhecimento permanece vedado pela Resolução CFM nº 1.999/2012.

Com esse entendimento, a prescrição de EAA é justificada para o tratamento de doenças como hipogonadismo, puberdade tardia, micropênis neonatal e caquexia, podendo ainda ser indicada na terapia hormonal cruzada em transgêneros e, a curto prazo, em mulheres com diagnóstico de Desejo Sexual Hipoativo.

O CFM também define que, no exercício da medicina, fica proibida a prescrição e divulgação de hormônios anunciados como “bioidênticos” em formulação “nano” ou com nomenclaturas de cunho comercial sem a devida comprovação científica de superioridade clínica para a finalidade prevista nesta resolução, assim como de Moduladores Seletivos do Receptor Androgênico (SARMS) para qualquer indicação. A vedação está de acordo com o entendimento atual da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), expresso na Resolução nº 791/21.

Forma abusiva – O CFM ainda alerta que é crescente o número de pessoas utilizando tais medicações de forma ilícita e que, “concomitante ao uso de EAA, há um aumento da administração do hormônio do crescimento (GH) de forma abusiva por atletas, amadores e profissionais, como droga ergogênica, motivo pelo qual o GH encontra-se incluído na lista de substâncias anabolizantes (C5) da Anvisa, assim como no rol de drogas proibidas no esporte pela Agência Mundial Anti-Doping (WADA)”.

Segundo ela, drogas ergogênicas tendem a melhorar o desempenho físico retardando a fadiga, impulsionando o ganho de massa muscular (propriedade anabolizante) e a quebra de gordura (propriedade lipolítica).

O texto aprovado pelo CFM determina ainda que ao médico permanece proibida a adoção experimental de qualquer tipo de terapêutica não liberada para uso no Brasil sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, que devem estar devidamente esclarecidos.

A restrição também se estende para a realização de cursos, eventos e publicidade com o objetivo de estimular o uso ou fazer apologia a possíveis benefícios de terapias androgênicas com finalidades estéticas, de ganho de massa muscular ou de melhora na performance esportiva. Esse item assume relevância diante da proliferação de atividades de extensão, educação continuada e pós-graduação sobre terapias hormonais cuja base é o treinamento de profissionais para prescrição de hormônios e outros tratamentos ainda sem comprovação científica.

CONSIDERAÇÕES DA RESOLUÇÃO 2.333/23

Para adotar as normas éticas para a prescrição de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes o CFM considerou o teor da Resolução CFM nº 1.999/2012, publicada no Diário Oficial da União, em 19 de outubro de 2012, que veda o uso de terapias hormonais com a finalidade de retardar, modular ou prevenir o envelhecimento; que o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional; que ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão; a responsabilidade do médico quanto à segurança do paciente; que é vedado ao médico divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico; que as intervenções médicas devem ter por base as melhores evidências clínico-epidemiológicas disponíveis que indiquem efeito terapêutico benéfico que suplantem os potenciais efeitos adversos, preferencialmente através de estudos prospectivos e controlados; que é vedado ao médico usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso em nosso país, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem o consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da situação e das possíveis consequências; a existência de extensa literatura científica sobre terapias hormonais e pareceres de sociedades científicas nacionais e internacionais sobre o tema, e apesar da medicina ser uma ciência dinâmica, ainda não é seguro indicar a hormonioterapia anabolizante para fins estéticos e esportivos; os riscos potenciais de doses inadequadas de hormônios, e que mesmo as doses terapêuticas podem desencadear efeitos colaterais danosos, principalmente nos casos em que a deficiência hormonal não foi diagnosticada apropriadamente conforme as diretrizes e recomendações em vigor; a inexistência de estudos clínicos randomizados de boa qualidade metodológica que demonstrem a magnitude dos riscos associados à terapia hormonal androgênica em níveis suprafisiológicos, tanto em homens quanto em mulheres; a ausência de comprovação científica da existência de uma condição clínico-patológica decorrentes de baixos níveis de testosterona ou androgênios na mulher; que se deve ter cautela com quaisquer informações diferentes daquelas fornecidas por estudos de relevância científica, pois determinados tratamentos podem ser danosos tanto do ponto de vista econômico como da saúde coletiva e individual; que o uso de terapias para melhoria do desempenho físico é vedado na prática esportiva segundo o Código de Conduta Ética do Comitê Olímpico Brasileiro; que é dever do médico empreender ações preventivas e que se reconhecem como prevenção quaternária as ações que detectam indivíduos em risco de tratamento excessivo para protegê-los de novas intervenções inapropriadas e sugerir-lhes alternativas eticamente aceitáveis; que é vedada ao médico a prescrição de medicamentos com indicação ainda não aceita pela comunidade científica; a proliferação de cursos de extensão, educação continuada e pós-graduação sobre terapias hormonais voltadas à estética e ganho de desempenho esportivo, ou com denominações diferentes, mas cuja base é do treinamento de profissionais, seja para a prescrição de hormônios e outros tratamentos ainda sem comprovação científica, com o suposto objetivo de obter ganho estético ou melhora da performance esportiva; que o ambiente virtual das mídias sociais propicia meio de difusão de terapias não comprovadas e potencialmente danosas; a crescente divulgação, entre a população, de novos métodos terapêuticos baseados no emprego de hormônios androgênicos ou outros tipos de suplementos sem evidências clínico-científicas que comprovem a sua segurança; a Resolução nº 791, de 22 de janeiro de 2021, da Anvisa, que proibiu a comercialização, a distribuição, a fabricação, a importação, a manipulação, a propaganda e o uso de Moduladores Seletivos do Receptor Androgênico (SARMS) no Brasil para fins estéticos e performance esportiva, além de determinar sua apreensão e inutilização; 

NOTA DE ESCLARECIMENTO À POPULAÇÃO E AOS MÉDICOS

De todo o Exposto, conclui-se que a Resolução CFM 2.333/23 surgiu pela iniciativa e pressão de vários grupos de profissionais médicos através das sociedades de especialidades com vistas a que se tivesse uma definição clara das indicações para a prescrição de esteroides androgênicos anabolizantes e principalmente as suas contraindicações. O que vemos é o resultado de um extenso trabalho, baseado em evidências científicas e com o cuidado de se proteger a população dos efeitos maléficos das terapias ainda não cientificamente validadas. Nesse sentido, há que se entender que a incorporação de novas terapias e tecnologias deve ocorrer respeitando critérios não somente técnicos, mas também éticos.