EVENTOS TROMBOEMBÓLICOS NA CIRURGIA DO OMBRO

Paulo César Faiad Piliuski
João Artur Bonadimann

A embolia pulmonar (EP) ocorre quando um trombo entra na circulação arterial pulmonar. A maioria das EPs resulta de trombose venosa profunda (TVP) nas pernas, nos braços ou na pelve e, ocasionalmente, na veia jugular ou na veia cava inferior. O termo tromboembolismo venoso (TEV) inclui EP e TVP. Os eventos tromboembólicos, incluindo tromboembolismo pulmonar (TEP) e trombose venosa profunda (TVP) são situações muitas vezes catastróficas no cenário da cirurgia ortopédica. Embora apresentem uma incidência extremamente baixa, é essencial ao cirurgião de ombro estar atento a essa situação, principalmente na sua identificação e nos cuidados para evitar tal evento.

A conhecida tríade de Virchow, que envolve o estado de hipercoagubilidade, estase venosa e lesão endotelial são as condições primordiais para que o trombo seja criado. Na área da ortopedia, os eventos tromboembólicos são constantemente estudados principalmente nas subespecialidades do membro inferior, os quais já apresentam protocolos muito bem estabelecidos e eficazes de profilaxia. Sabe-se que a incidência de eventos tromboembólicos em pacientes hospitalizados após cirurgias de grande porte em membros inferiores pode chegar até 40 - 60% sem profilaxia sendo reduzido até 1.8% com profilaxia, portanto, sua prevenção é a chave primordial para evitar situações que podem se tornar catastróficas.

Epidemiologia:

Tratando especificamente das cirurgias do membro superior, sobretudo cirurgias do ombro e cotovelo, a incidência de eventos tromboembólicos é baixíssima. O primeiro relato de trombose venosa profunda após cirurgia do ombro foi feito em 1990 por Burkhart, após uma artroscopia. Na literatura atual, a artroscopia do ombro apresenta uma incidência de 0.038% a 0.40%. Já nas artroplastias, a incidência chega a 0.52% e nas fraturas da extremidade proximal do úmero, tratadas com fixação com placas ou hemiartroplastia a incidência chega a 0.64%.  Quando abordamos os casos de cirurgia do cotovelo, os dados na literatura são extremamente esparsos, porém encontramos estudos onde citam que a incidência de eventos tromboembólicos após artroplastia de cotovelo é de 0.26%.

Contudo, vale ressaltar que devido a vasta heterogeneidade dos estudos, seja nos critérios e formas de diagnóstico, população e nas diferentes medidas de profilaxia adotadas, essas incidências podem variar significativamente. Ainda, a não suspeição e consequente ausência de diagnóstico pode mascarar estes dados.

Apresentação clínica

Os pacientes com EP podem ter uma apresentação clínica bastante variável, desde o paciente assintomático até quadro de morte súbita. A apresentação mais comum é dispneia inexplicada por achados auscultatórios, alterações no eletrocardiograma (ECG) ou diagnóstico alternativo claro na radiografia de tórax.

A dor torácica com características pleuríticas é o segundo sintoma mais comum de EP, embora cerca de metade de todos os pacientes diagnosticados com EP não apresente queixa de dor torácica. A dor clássica na EP é no tórax entre as clavículas e a margem costal, que aumenta com tosse ou respiração, não é puramente subesternal e não se manifesta da pele ou do músculo. No paciente recém-operado a queixa de dor no ombro e região periescapular e torácica é frequente e atribuída ao próprio procedimento, porém devemos estar atentos, pois o infarto pulmonar nos segmentos basilares do pulmão pode se manifestar como dor referida no ombro. Ainda, pacientes que estejam evoluindo bem e tem piora da dor ao redor de 2 semanas após o procedimento podem estar desenvolvendo quadro de TEV. Relatamos alguns casos de trombose venosa da cefálica após artroscopia do ombro, com estas características.

Fatores de Risco:

De modo geral, os fatores de risco para eventos tromboembólicos podem incluir idade superior a 60 anos, desidratação, internação em unidade de terapia intensiva, tratamento oncológico ativo, obesidade, trombofilia conhecida, TVP anterior, história de TVP em algum membro da família de primeiro grau, contracepção com estrogênio, terapia de reposição hormonal e gravidez ou parto recente.

Tratando-se especificamente das cirurgias ortopédicas de ombro, conforme encontramos na literatura, podemos dividir em 3 fatores: fatores do paciente, fatores cirúrgicos e fatores externos ou ambientais.

Os 2 principais fatores relacionados ao paciente incluem idade avançada (comumente ≥ 70 anos) e história prévia de eventos tromboembólicos. Porém, presença de IMC>25, diabete mellitus, doença pulmonar crônica, câncer, cardiopatias, artrite reumatoide, hipoalbuminemia, anemia e abuso de álcool também são citados.

Os principais fatores relacionados à cirurgia são: indicações não-eletivas (traumas) e tempo de hospitalização prolongados. Vale ressaltar que a literatura atual é inconclusiva sobre qual tipo de prótese (Hemi, Anatômica ou Reversa) apresenta maior risco. Porém, em casos de próteses bilaterais, a incidência de eventos tromboembólicos era maior quando o intervalo entre as cirurgias era menor de 3 meses.

Dentre as cirurgias do ombro, as cirurgias por traumas foram os que apresentaram maior incidência, já a artroscopia é a que apresenta menor incidência. Até mesmo no tratamento cirúrgico da instabilidade, o Latarjet aberto apresentou maior incidência em comparação ao reparo artroscópico de Bankart.

O terceiro grupo é formado pelos fatores externos: estudos abrangendo tanto artroplastias quando artroscopias evidenciaram que altas altitudes (mais que 1200 metros) apresentam maior incidência de eventos tromboembólicos.

Com relação a etiologia, Polzhofer e colaboradores acreditam que a lesão da veia subclávia, devido à compressão da ponteira do shaver, pode levar a fenômenos tromboembólicos, e referem que esta é a provável causa da patologia. Consideram que a posição inadequada do braço, a compressão causada pelo edema operatório e a tração elevada também podem contribuir para lesões da subclávia que levaria ao tromboembolismo. Dr. Fabio Dal Molin relata um caso de TEP pós artroscopia do ombro e acredita que a posição em 70 graus de flexão do tronco para a posição em cadeira de praia pode levar a estase e, consequentemente, tromboembolia.

Prevenção:

Em um questionário aplicado para 99 cirurgiões da Academia Americana de Cirurgia de Ombro e Cotovelo (ASES) apenas 37 relataram usar profilaxia medicamentosa após artroplastias de ombro. No ano de 2009, a Academia Americana de Ortopedia (AAOS) realizou um consenso recomendando o uso de profilaxia tromboembólica para todos os casos de artroplastia de ombro no pós-operatório. A profilaxia mecânica (como dispositivos de compressão pneumática dos membros inferiores e deambulação precoce) devido ao baixo risco de efeitos adversos, foi recomendada para todos os casos, tanto no período transoperatório quanto pós-operatório.  Porém, o consenso da AAOS não fez recomendações a respeito do uso ou não de medidas profiláticas medicamentosas – a quimioprofilaxia.

Com base em estudos recentes a profilaxia medicamentosa associada à mecânica pode ser considerada nos pacientes com maior risco de hipercoagulação. Os pacientes com maior risco de hipercoagulação, como já citado anteriormente, incluem aqueles com histórico prévio de eventos tromboembólicos, terapia com estrogênio, trauma recente, câncer e períodos de imobilização prolongados. Em todos os casos, o risco X benefício de cada caso precisa ser cuidadosamente avaliado. Por não haver recomendações claras em guidelines quanto à profilaxia medicamentosa em cirurgias do ombro, alguns artigos adotam como base os guidelines para cirurgias do membro inferior, tanto quadril quanto joelho.

 

Caso Clínico

Paciente masculino de 37 anos, teve queda de altura de cerca de 3 metros do solo, fraturando a diáfise do úmero. Operado no mesmo dia com RAFI por técnica de LIVANI-BELANGERO, no retorno pós-operatório com cerca de 14 dias de evolução queixou-se de dispnéia. Realizado angiotomografia do tórax que confirmou a suspeita de TEP.

Figura 1. Imagem radiográfica demonstrando fratura dialisaria do úmero

Figura 2. Imagem radiográfica demonstrando fratura fixada com placa LCP 4,5mm estreita (técnica MIPO).

Figura 3 e 3ª. Angiotomografia computadorizada demonstrando imagens hipoatenuantes consistentes com trombos nos ramos lobares e segmentares das artérias inferiores bilateralmente, média à direita e superior esquerda e opacidade parenquimatosa consolidativa na periferia do segmento basal esquerdo, consistente com lesão tromboembólica

 

Conclusão

Os eventos tromboembólicos no cenário da cirurgia do ombro são extremamente raros, porém com consequências que podem ser desastrosas. Esses eventos podem ocorrer em qualquer cirurgia do ombro, porém as cirurgias de trauma apresentam maior incidência, seguido pelas artroplastias. As artroscopias apresentam o menor risco.  É essencial ao cirurgião de ombro estar atento aos fatores de risco, tanto do paciente, da cirurgia e ambientais, para que medidas profiláticas sejam adotadas.

A profilaxia mecânica, como compressão pneumática de membros inferiores e de ambulação precoce são encorajadas por diversos guidelines e se mostraram ser eficazes e seguras. Embora a profilaxia medicamentosa não seja abordada nesses mesmos guidelines, a mesma deve ser considerada individual cuidadosamente e em pacientes com fatores de risco para hipercoagubilidade. Futuros estudos prospectivos comparativos de larga escala são extremamente necessários e poderão elucidar a eficácia e segurança da quimioprofilaxia na cirurgia do ombro.

 

REFERÊNCIAS:

 

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  8. Dal Molin, Fabio Farina e Dal Molin, Siluê Franzoni. Tromboembolia pulmonar após videoartroscopia de ombro. Revista Brasileira de Ortopedia [online]. 2010, v. 45, n. 3, pp. 312-315. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-36162010000300016>. Epub 19 Ago 2010. ISSN 1982-4378. https://doi.org/10.1590/S0102-36162010000300016.