HISTÓRIA DA CIRURGIA DE OMBRO E COTOVELO

 

A primeira reunião de cirurgia de ombro e cotovelo no mundo

Por Osvandré Lech

 

Legenda: Principais palestrantes da primeira reunião de ombro do mundo, 1960

 

O ombro e a cintura escapular foram considerados pela ortopedia uma articulação de menor importância ao longo da primeira metade do século passado, quando imperava o tratamento conservador das fraturas, e a noção de que a osteoartrose era “doença de velho”. A biomecânica era desconhecida e a bibliografia era escassa, senão inexistente para o ortopedista comum.

Nomes como Earl Codman, Meyer, os radiologistas Harold Hill e Maurice Sacks, Arthur Sydney Blundell Bankart, Harrison McLaughlin, Carlos De Anquin, Walter Rowley Bristow, André Latarjet, Weaver e Dunn, Vargas, Lippman Kessel, Sir Robert Jones, Sir Harry Platt, Sir Reginald Watson-Jones, dentre outros, foram nomes que dedicaram interesse científico a esta região anatômica no período.

O canadense Fred Moseley, do Royal Victoria Hospital, de Montreal, merece destaque especial, pois dedicou toda a sua vida à cirurgia do ombro, embora não tenha ainda recebido o devido reconhecimento dos pares. Ele publicou nove livros - todos reunidos em meu acervo pessoal - e dezenas de artigos. Em 1945, Moseley publica “Shoulder Lesions”, onde o capítulo de manguito rotador possui apenas 12 referências. Em 1963 ele publicou no JBJS-Br o clássico “The arterial pattern of the Rotator Cuff of the Shoulder”. Introvertido, uma das poucas fotos disponíveis de Moseley mostra-o examinando um paciente (Fig. 1).

 

Legenda: O introvertido canadense Fred Moseley

 

Moseley foi o chairman do “Symposium on Surgery of the Shoulder Region” em 1960 em Montreal. O simpósio recebeu destaque no “The Surgical Clinics of North America”, volume 43, número 6, de dezembro de 1963 (Fig 2). Este é, talvez, o primeiro evento específico sobre cirurgia do ombro no mundo. Moseley reuniu os mais experientes cirurgiões da época, dentre eles: Alexander Aitken (Tufts Univ, Boston), Prof. R. Merle d`Aubigne (Hôpital Cochin, Paris), J. Basmajian (anatomista, Kingston, Ontario), James Bateman (Toronto), Anthony DePalma (Jefferson Medical College, Philadelphia), W. Dennis Engels (psiquiatra, McGill Univ, Montreal), Ernest Gardner (anatomista, Detroit), Josephus Luke (McGill Univ, Montreal), F. Robert MacDonald (radiologista McGill Univ, Montreal), Harrison McLaughlin (Columbia, Nova Iorque), Charles Neer (Columbia, Nova Iorque), Julius Neviaser (George Washington Univ, Washington), Thomas Quigley (Harvard, Boston), Carter Rowe (Harvard, Boston), Hans Selye (autor da teoria do stress, Montreal) Charles Silberstein (Philadelphia). A lista privilegia autores do Canadá e da região nordeste dos Estados Unidos, tendo apenas um palestrante europeu. A icônica foto que reúne os principais palestrantes é conhecida nos quatro cantos do mundo. (Fig. 3).

Segundo Neer (Fig 4), que falou sobre substituição protética da cabeça umeral para o trauma e degeneração, “havia mais palestrantes do que participantes”, pelo pouco interesse ao tema na época.

 

Legenda: The Surgical Clinics of North America, que resume a primeira reunião

 

O conceito de que as patologias do ombro se deviam às afecções da coluna cervical era forte e cinco conferências foram dedicadas ao tema, hoje a especialidade de coluna trata estas patologias. Outras cinco conferências foram dedicadas à tendinite calcária, considerada na época o “abscesso químico do ombro”, a cirurgia realizada com a maior frequência no período.

Coube a Harrison McLaughlin o tema “Repair of Major Cuff Ruptures”, onde ele pontua os requisitos para uma reparação bem sucedida: 1) perfeita posição do tecido saudável ao osso; 2) reparo sem tensão com o braço junto ao tronco; 3) restauração da continuidade tendínea à prova d’água; 4) tendões em boa superfície, mesmo que seja necessário a ressecção do acrômio (acromionectomia total, parcial ou lateral, não acromioplastia como na técnica atual); 5) tenodese do bíceps à goteira quando a anatomia estivesse alterada; 6) liberação do ligamento córaco-acromial; 7) cirurgia somente se necessário.

 

Legenda: Charles Neer, cerca de 1960

 

Para as primo-luxações anteriores, numa época em que não havia sido definida anstabilidade multidirecional, Carter Rowe (Fig. 5) indicava o uso de tipoia em adução e rotação interna de três a seis semanas. As técnicas cirúrgicas utilizadas para as LRO eram Magnuson, Gallie ou Bankart.

Estes autores celebrariam – e se espantariam - os avanços existentes hoje, 60 anos depois. Evoluímos da simplicidade à complexidade. Em história, não há grupo-controle para saber como teria sido se tomássemos outras decisões. A história evolui como uma descrição de casos.

 

Legenda: Carter Rowe e esposa. Acervo pessoal, 1986.