Entrevista

 

Abordagens na reconstrução ligamentar para o tratamento da instabilidade do cotovelo

Antônio Carlos Tenor Junior

Bruno Marcus Gonçalves Costa

João Paulo Nunes Toledo

 

INTRODUÇÃO:

As características da anatomia óssea do cotovelo conferem-lhe, em grande medida, estabilidade, mas as partes moles também participam da estabilização desta articulação. Os estabilizadores estáticos são a anatomia óssea, a cápsula articular (anterior e posterior), além dos ligamentos colaterais (lateral e medial). Os estabilizadores dinâmicos são os músculos que atravessam a articulação do cotovelo e comprimem as superfícies ósseas. 1,2 (Figuras 1 e 2).

As causas da instabilidade do cotovelo são: síndromes crônicas (por uso excessivo), iatrogênicas (após múltiplas infiltrações com corticoides ou desbridamentos artroscópicos) ou um trauma axial no membro superior com estresse em valgo e rotação lateral do antebraço, levando a uma dissociação das articulações ulnoumeral e radiocapitelar. 3, 4

O quadro clínico da instabilidade do cotovelo pode ser dor, apreensão ou sinais e sintomas mecânicos após movimentos que provoquem a sua subluxação.1 Uma história clínica detalhada deve abordar as atividades que desencadeiam ou exacerbam os sintomas, a localização da dor, os sintomas mecânicos e neurológicos associados à prática desportiva e a queda no seu rendimento.2 O exame físico específico é de suma importância para firmar o diagnóstico e excluir diagnósticos diferenciais. Exames complementares de imagens não substituem o exame físico, mas, bem indicados, são de grande valia no planejamento cirúrgico. 5,6 (Figuras 5 e 6)

Na instabilidade rotatória póstero lateral (IRPL) do cotovelo há uma lesão ligamentar que resulta da insuficiência do complexo ligamentar colateral lateral (LUCL). Em sua descrição original, O’Driscoll e colaboradores identificaram a lesão da banda ulnar do ligamento colateral lateral (LUCL) como a causa primária de IRPL. Lesão aos tecidos moles laterais, especificamente frouxidão ou avulsão do LUCL é um achado comum nos pacientes com IRPL e a recuperação funcional deste ligamento através do seu reparo ou da sua reconstrução é componente essencial do tratamento cirúrgico. 7

No entanto, Rhyou e colaboradores propuseram um mecanismo diverso em que a lesão se iniciaria no lado medial do cotovelo (LCM)9. De acordo com os autores, os pacientes com lesão ligamentar dupla (ligamentos colateral lateral e colateral medial) e instabilidade em valgo devem ser abordados com reparo inicial do ligamento colateral medial e, caso a instabilidade persista, a banda ulnar do ligamento colateral lateral deve ser reparada posteriormente. 8

Quaisquer que sejam a sequência da abordagem e técnica de escolha, os parâmetros anatômicos não variam. Na via de acesso cirúrgico medial, a musculatura flexopronadora pode ser divulsionada ou desinserida, com ou sem osteotomia, do epicôndilo medial. A inserção umeral do LCM situa-se na margem anterior e inferior do epicôndilo medial e, com o cotovelo fletido a 90°, a banda anterior do LCM vira em uma direção de 45° ao tubérculo sublime da ulna, palpável imediatamente anterior ao nervo ulnar.3 (Figuras 2 e 3)

A via lateral situa-se no plano entre o músculo ancôneo e extensor ulnar do carpo (intervalo de Kocher). A inserção ulnar do LCL, na crista do supinador, é exposta através da elevação subperiosteal do músculo ancôneo e o ponto isométrico no côndilo lateral encontra-se no centro da circunferência formada pelo capítulo em uma visão lateral.3 (Figuras 1, 4 e 5)

Apesar de muitos estudos descreveram a anatomia e a biomecânica da lesão, poucos artigos foram publicados sobre o manejo cirúrgico e os seus resultados clínicos. A seguir, resumimos três artigos, cada qual com uma abordagem diferente para a reconstrução ligamentar no tratamento da instabilidade do cotovelo. Boa leitura.

Box-loop ligament reconstruction of the elbow for medial and lateral instability3

Os autores desenvolveram um método de reconstrução de ambos os ligamentos (LCL e LCM) do cotovelo usando um único enxerto passado através de um túnel no úmero e confeccionado com uma broca de 3.2 mm. Uniram a inserção do LCM e o ponto isométrico do LCL e outro túnel na ulna, com mesmo diâmetro, unindo o tubérculo sublime e a crista do supinador, criando uma alça de enxerto que é amarrado sobre si mesmo e chamada pelos autores de “box-loop”. Este é um estudo retrospec tivo de uma série de 14 casos com um seguimento médio de 64 meses em que os pacientes operados foram avaliados clínica e radiograficamente. A avaliação clínica pré e pós-operatória inclui amplitude de movimentos, teste do pivot shift lateral, teste da gaveta rotatória posterolateral, estresse em varo e em valgo em extensão e em 30° de flexão. Para a avaliação funcional, aplicaram-se os escores SOD, ASES, Quick DASH e MEPI. Nove pacientes foram avaliados presencialmente e cinco por telefone, por meio de questionários. Os pacientes foram incluídos no estudo independentemente de cirurgia adicional, simultânea (prótese de cabeça de rádio ou osteossíntese) ou prévia. Doze pacientes tinham instabilidade pós-traumática e dois pós ressecção de ossificação heterotópica. O tempo de seguimento médio foi de 64 meses, variando de 19 a 109. De acordo com o relato dos pacientes, sete estavam com o cotovelo normal, quatro referiam muita melhora, dois referiam melhora e um referia piora. Nenhum paciente examinado apresentou sinais clínicos ou radiográficos de instabilidade. A amplitude dos movimentos (ADM) melhorou ou ficou igual ao pré-operatório em todos os pacientes. A média de melhora da ADM foi de 32°. A força muscular estava normal para flexo-extensão em todos os pacientes e apenas um paciente apresentava uma leve diminuição da força para pronossupinação. Os resultados funcionais foram medidos pelos escores Summary Outcome Determination (SOD), da Academia Americana de Cirurgiões de Ombro e Cotovelo (ASES), Quick Disabilities of the Arm, Shoulder and Hand (Quick-DASH) e Mayo Elbow Performance Index (MEPI) em todos os pacientes. A média do escore SOD foi de 7 pontos, variando de 2 a 10. O escore da ASES variou de 36 a 100 pontos, média de 81. A média do escore Quick-DASH foi de 13 pontos, variando de 0 a 64. A média do escore MEPI foi de 88 pontos, variando de 60 a 100 com quatro resultados excelentes (90 a 100), três bons (75 a 89), três moderados (60 a 74) e nenhum resultado ruim (< 60). Como complicações, um paciente desenvolveu neuropatia ulnar tardia, necessitou de transposição nervosa e evoluiu com resolução dos sintomas em quatro meses. Este paciente também desenvolveu eritema incisional, tratado com antibióticos orais. Os autores concluem que a técnica “box-loop” é mais rápida, simples e preferível para reconstruir simultaneamente o LCM e LCL do cotovelo em relação com as técnicas em que a reconstrução é realizada individualmente. Os resultados no seguimento de médio prazo foram excelentes, com poucas complicações. De acordo com os autores, esta técnica é mais simples do que a reconstrução separada dos ligamentos colaterais medial e lateral, tanto em relação aos túneis ósseos quanto à fixação do enxerto. As vantagens desta técnica incluem menor exposição em cada lado do cotovelo, cirurgia mais rápida e a necessidade de apenas um enxerto.

 

Drop sign of the elbow joint after surgical stabilization of an unstable simple posterolateral dislocation: natural course and contributing factors8

 

Este é um trabalho retrospectivo, cujo principal objetivo era investigar a incidência do “drop sign” após o tratamento de casos de instabilidade posterolateral do cotovelo. De acordo com os autores deste artigo, a lesão ligamentar inicia-se no lado medial e a abordagem cirúrgica deve seguir este princípio. (Figura 6). Foram analisados 23 pacientes (14 homens e nove mulheres) entre 18 e 70 anos tratados cirurgicamente com reparo ligamentar por instabilidade persistente após luxação simples póstero-lateral do cotovelo, cuja média de seguimento foi de 40 meses (6-92 meses). O tratamento cirúrgico foi indicado nos casos em que o cotovelo subluxava ou luxava ao exame físico, sob anestesia geral ou bloqueio do plexo braquial, em cerca de 45° de flexão após redução fechada, sendo adotado um algoritmo próprio para o tratamento. Uma semana após a redução fechada, foi realizada a ressonância magnética para melhor estudo das lesões ligamentares presentes no cotovelo afetado. A decisão final quanto ao lado do ligamento colateral a ser reparado na abordagem cirúrgica era baseada nos achados da ressonância magnética e no teste de estresse em varo/valgo com o cotovelo em 30° de flexão, estando o paciente sob anestesia. Os pacientes com lesão ligamentar dupla (ligamentos colateral lateral e colateral medial) e instabilidade em valgo eram abordados cirurgicamente com reparo inicial do ligamento colateral medial e, caso a instabilidade persistisse, a banda ulnar do ligamento colateral lateral, posteriormente. Dos 23 pacientes avaliados, 8 pacientes necessitaram apenas de reparo lateral, 12 pacientes foram submetidos ao reparo de ambos os lados e três pacientes tratados apenas com o reparo medial. A persistência do “drop sign” no pós-operatório imediato foi observada em quatro pacientes, três dos quais foram submetidos ao reparo lateral, um submetido ao reparo lateral e medial e nenhum nos pacientes submetidos ao reparo apenas do lado medial. No acompanhamento pós-operatório dos pacientes, os resultados clínicos foram excelentes e nenhum paciente apresentou persistência da instabilidade.

 

The docking technique for lateral ulnar collateral ligament reconstruction: surgical technique and clinical outcomes10

 

Os autores utilizam, preferencialmente, um enxerto do tendão palmar longo ipsilateral de 15 cm de comprimento, retirado e preparado com pontos Krackow nas suas extremidades. (Figura 7) O local de inserção do enxerto do tendão na ulna é preparado através de dois orifícios, um próximo da crista do supinador e outro 2 cm proximal ao primeiro, próximo do ligamento anular, com uma broca de 4 mm, mantendo uma ponte óssea entre os orifícios. (Figura 8) Com uma broca de 4 mm é confeccionado um orifício no ponto isométrico da côndilo lateral do úmero. Dois orifícios menores e proximais com profundidade de 15 mm e distantes entre si 1 cm são confeccionados no côndilo lateral do úmero. O enxerto é inserido no orifício distal e ulna e exteriorizado pelo orifício proximal. Para determinar o comprimento do enxerto, as suas extremidades livres são posicionadas próximas ao orifício do ponto isométrico do úmero com o cotovelo fletido entre 30° e 40° e o antebraço em pronação forçada. O excesso do enxerto é excisado e as suas extremidades livres são inseridas no orifício do ponto isométrico do úmero, os fios de sutura são exteriorizados pelos dois orifícios menores proximais e amarrados entre si sob tensão sobre a ponte óssea que os separa, mantendo o cotovelo entre 30° e 40° de flexão e o antebraço em pronação forçada. Os autores aplicaram esta técnica Docking em 8 pacientes com diagnóstico de IRPL do cotovelo e limitação das atividades diárias (diagnóstico realizado com história clínica, teste do pivot shift e confirmação da lesão do LUCL por imagem ressonância magnética) e fizeram um estudo retrospectivo de uma série de casos. Foram excluídos pacientes submetidos a outros tipos de intervenções associadas à reconstrução do ligamento). Os mecanismos de lesão foram: luxação posterior sem fraturas associadas (quatro pacientes); sucessivas aplicações de corticosteroides para tratamento de epicondilite lateral (três pacientes) e lesão iatrogênica do ligamento colateral ulnar após desabridamente artrocóspico para epicondilite lateral (um paciente). A média de tempo entre o aparecimento dos sintomas e a cirurgia foi de 10,3 semanas (6-16). Quatro pacientes eram do sexo masculino e quatro do sexo feminino com média de idade 39,8 anos (17- 57). Seis pacientes relataram completa resolução dos sintomas e dois permaneceram com sintomas ocasionais com certos movimentos nas atividades de vida diária, os oito pacientes tinham teste pivot shift negativo. Seis pacientes atingiriam completo arco de movimento e dois perderam entre 5° e 10° de extensão. Quatro pacientes não relataram dor nas atividades diárias, 3 relataram dor moderada e um paciente relatou dor persistente. Os resultados foram avaliados pelo escore MEPS, sendo a média atingida de 87,5 pontos (75-100). Quatro pacientes consideram o resultado excelente e quatro como bom, porém, todos estavam satisfeitos com o resultado final. Os autores concluem que os resultados no médio prazo da reconstrução cirúrgica do LUCL utilizando a técnica de docking proporciona bons resultados funcionais e redução da dor na maioria dos pacientes. Entretanto, foi notada uma taxa de 25% de recorrência da instabilidade nas atividades de vida diária, porém, uma avaliação objetiva dos pacientes demonstrou-se com resultados bons-excelentes em 100% dos casos. São necessários estudos futuros, que estão sendo realizados atualmente, para avaliar o papel dessa técnica em pacientes que necessitem de reconstrução do ligamento LUCL.

 

Referências bibliográficas

1. Safran MR, Baillargeon D. Soft-tissue stabilizers of the elbow. J Shoulder Elbow Surg; 14(1 Suppl): 1795-1855, 2005

2. Morrey BF, An KN. Stability of the elbow: osseous constraints. Journal of shoulder and elbow surgery, 14(1), S174-S178, 2005.

3. Finkbone PR, O’Driscoll SW. Box-loop ligament reconstruction of the elbow for medial and lateral instability. J Shoulder Elbow Surg. 2015(24);647-654

4. Fedorka CJ, Oh LS. Posterolateral rotatory instability of the elbow. Curr Ver Musculoskelet Med; 9(2): 240-6, 2016;

5. Armstrong A: Simple elbow dislocation. Hand Clin 31:521, 2015.

6. Mayne IP, Wasserstein D, Modi CS, et al: The epidemiology of closed reduction for simple elbow dislocations and the incidence of early subsequent open reduction. J Shoulder Elbow Surg 24:83, 2015.

7. Modi CS, Wasserstein D, Mayne IP, et al: The frequency and risk factors for subsequent surgery after a simple elbow dislocation. Injury 46:1156, 2015.

8. Rhyou IH, Lim KS, Kim KC, Lee JH, Ahn KB, Moon SC. Drop sign of the elbow joint after surgical stabilization of an unstable simple posterolateral dislocation: natural course and contributing factors. Journal of shoulder and elbow surgery, 24(7), 1081-1089, 2015.

9. Rhyou IH, Kim YS. New mechanism of the posterior elbow dislocation. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc; 20:2535-41, 2012.

10. Jones KJ, Dodson CC, Osbahr DC, Parisien RL, Weiland AJ, Altchek DW, Allen AA. The docking technique for lateral ulnar collateral ligament reconstruction: surgical technique and clinical outcomes. J Shoulder Elbow Surg. 2012 Mar;21(3):389-95. doi: 10.1016/j.jse.2011.04.033. Epub 2011 Aug 3. PMID: 21813299.